quarta-feira, 9 de março de 2016

Nove de março

Era nove de março de dois mil e quinze.
Décimo dia de antibioticoterapia devido a sua ultima infecção, peritonite.
O tão esperado dia depois de seis angustiantes meses de espera. Finalmente você passaria pela porta daquele hospital para nunca mais voltar...
E esse dia foi mais longo do que os seis meses inteiro, devido a desorganização e burocracia que nos torturava a cada segundo de espera.
A ansiedade já tomava todo o corpo daquele pai que não via a hora de vê-la em casa, longe daquele lugar. A mãe, tentava acalmar, dizendo que as coisas são assim mesmo, demoradas e que era pra eu me acalmar...

Cheguei cedo, com o carro limpo, cadeirinha devidamente colocada no banco de trás, à sua espera, como se fosse um trono a espera da princesa que seria coroada naquele dia.
A manhã passou, o plantão trocou e nada de sua alta ser liberada.
Sentimos fome, fui até o restaurante da esquina, onde eu já era conhecido pelo chocolate gelado de manhã, e lanches, pedaços de pizza a tarde.
Pedi dois marmitex, filé com fritas. Um suco pra mãe, uma coca seiscentos pra mim.
Comemos no quarto, a comida não caiu bem, queria mesmo era almoçar em casa, foi como imaginei como seria, quando acordei naquele dia.
Bebi muita água gelada do frigobar do quarto em que você estava, a água acalma...
Sua mãe deu seu ultimo banho naquela banheira de inox revestida por plástico. Vestiu em você um lindo vestido florido e um bolero rosa, combinando com seus sapatos.
Você estava pronta!
Eu, preocupado com a hora, não queria sair no horário de pico, naquela tarde quente, com prenuncio de chuva. O caminho era todo sujeito a alagamento, alem de não querer lhe expor na sauna de um carro velho sem ar condicionado...
Somado a essa preocupação, minha pressa em tê-la em casa, junto com sua vó. Seu vô estava viajando...

Enquanto aguardava, pegava você no colo, fazia cosquinhas na sua mão com a barba e você gargalhava.
Ainda é o som mais lindo que meus ouvidos são capazes de captar: sua gargalhada. É como se soprasse amor para dentro de mim, não...realmente é o sopro de vida que mantém esses 1,85 e 105kg em pé. Um João Bobo, inflado de amor que ganha vida a cada sorriso, gargalhada sua.

A tarde se arrastava, as pernas não paravam de balançar até que, enfim, a papelada chegou, junto com todo seu prontuário, receitas e recomendações médicas.
Era exatamente dezessete e trinta e cinco, quando sua mãe a pegou no colo, passou pelo pequeno corredor e atravessou a porta. Eu, carregava tudo o que aguentava e mais um pouco, para fazer só uma viajem, a última, até o carro.
Nos despedimos daqueles que fomos encontrando no caminho, descendo as escadas do segundo andar até o primeiro, passando por aquela recepção que todo dia eu me identificava e ganhava um adesivo para lhe ver, mas naquele dia, naquela tarde, passamos direto, assim como passamos pela lanchonete, único lugar que cheirava bem naquele lugar, apesar das baratas que foram companheiras em algumas madrugadas em que me pegava me perguntando o motivo de estar ali.
Entre corredores e rampas chegamos à rua, entramos no carro e você, ciente de tudo, sorriu assim que o carro andou.
Deus segurou a chuva, abriu os caminhos e logo chegamos em casa, onde você foi recebida com toda festa e alegria que merece.

É nove de março de dois mil e dezesseis, hoje completa um ano que tudo voltou ao seu devido lugar, que os pingos nos is foram colocados.
Não há mais fios, aparelhos apitando, enfermeiras te acordando, o leite não atrasa mais...
As costas não doem mais por causa das noites dormidas em poltronas, as restrições caíram, e você a cada dia nos surpreende com sua esperteza de quem teve a sabedoria e força de driblar a morte, não só uma vez, mas cinco...

Faz um ano, mas lembro como se fosse hoje de tudo que passamos, das dores que sentimos, das lágrimas que derramamos e das batalhas que vencemos.
Faltam quinze minutos para as dez horas da noite. Comemoramos mais uma vez a vida, você gargalhou, brincou, bagunçou, fez tudo que tem direito.

Nós?

Agradecemos e contemplamos o seu reinado, que está apenas começando...